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Comportamento de consumo de alimentos de famílias de baixa renda de pequenas cidades brasileiras: o caso de Mato Grosso do Sul Food consumption behavior of low-income households from families of small brazilians cities: the case of Mato Grosso do Sul Comportement de la consommation alimentaire des familles à faible revenu dans les petites villes brésilien: le cas du Mato Grosso do Sul Comportamiento del consumo de alimentos de las familias de bajos ingresos de pequeños ciudades de Brasil: el caso en Mato Grosso do Sul Lilliane Renata Defante* ([email protected]) Leidy Diana Oliveira Nascimento** ([email protected]) Dario de Oliveira Lima-Filho* (dariolimafi[email protected]) Recebido em 18/09/2014; revisado e aprovado em 24/10/2014; aceito em 22/11/2014 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/151870122015203 Resumo: Este trabalho teve como objetivo analisar os hábitos alimentares de famílias de baixa renda nos territórios dos Consórcios de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local de Mato Grosso do Sul (CONSAD). Foi feito um estudo quantitativo-descritivo junto a 584 indivíduos moradores dos 24 municípios abrangidos, pertencentes às classes sociais C2, D e E, no ano de 2010, utilizando questionário estruturado. Os resultados mostram a existência de dois clusters, nomeados de segmento “saudável” e segmento “apreciadores de comida”. Palavras-chave: Alimentação. Comportamento alimentar. Cultura alimentar. Abstract: This study aimed to examine the eating habits of low-income families in the territories of the Consortium for Food Security and Local Development of Mato Grosso do Sul (CONSAD). A quantitative-descriptive study was done with the 584 individuals living in the territory of the municipalities of CONSAD, social classes C2, D and E, in 2010, using a structured questionnaire. The results showed the existence of two clusters, named “healthy” segment and segment “food lovers”. Key words: Food. Feeding behavior. Food culture. Résumé: Cette étude visait à examiner les habitudes alimentaires des familles à faible revenu dans les territoires du Consortium pour la sécurité alimentaire et le développement local du Mato Grosso do Sul (CONSAD). Une étude quantitative descriptive a été réalisée avec les 584 personnes qui vivent sur le territoire des municipalités de CONSAD, classes sociales C2, D et E, en 2010, à l’aide d’un questionnaire structuré. Les résultats ont montré l’existence de deux groupes, nommés secteur «santé» et «amoureux de la nourriture” segment. Mots-clés: Alimentation. Comportement alimentaire. De la culture alimentaire. Resúmen: Este estudio tuvo como objetivo examinar los hábitos alimenticios de las familias de bajos ingresos en los territorios del Consorcio de Seguridad Alimentaria y Desarrollo Local de Mato Grosso do Sul (CONSAD). Un estudio cuantitativo descriptivo se hizo con las 584 personas que viven en el territorio de los municipios de CONSAD, clases sociales C2, D y E, en 2010, utilizando un cuestionario estructurado. Los resultados mostraron la existencia de dos grupos, denominados segmento “saludable” y “amantes de la comida” del segmento. Palabras clave: Alimento. Comportamiento de alimentación. La cultura alimentaria. * Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. ** Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT&I), Brasília, Distrito Federal, Brasil. INTERAÇÕES, Campo Grande, v. 16, n. 2, p. 265-276, jul./dez. 2015. 1 Introdução A escolha alimentar é despertada muito cedo, desde a infância, por meio das sensações (tátil, gustativa, olfativa) sobre o que se come, e é pouco permeável homo- geneizar essas escolhas de acordo com a imposição feita pela produção e distribuição massificada. A escolha alimentar também faz uma interlocução com os recursos, gostos e hábitos, e dependem de maneira direta da classe social do indivíduo e da cultura em que vive (CANESQUI; GARCIA, 2005). O estudo dos hábitos alimentares tem papel fundamen- tal para identificar o que os consumidores adquirem em termos de alimentos e, também, quais os fatores que permeiam a escolha deles.

Comportamento de consumo de alimentos de … cedo, desde a infância, por meio das sensações (tátil, gustativa, olfativa) sobre o que se come, e é pouco permeável homo-geneizar

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Comportamento de consumo de alimentos de famílias de baixa renda de pequenas cidades brasileiras: o caso de Mato Grosso do Sul

Food consumption behavior of low-income households from families of small brazilians cities: the case of Mato Grosso do Sul

Comportement de la consommation alimentaire des familles à faible revenu dans les petites villes brésilien: le cas du Mato Grosso do Sul

Comportamiento del consumo de alimentos de las familias de bajos ingresos de pequeños ciudades de Brasil: el caso en Mato Grosso do Sul

Lilliane Renata Defante*([email protected])

Leidy Diana Oliveira Nascimento**([email protected])

Dario de Oliveira Lima-Filho*([email protected])

Recebido em 18/09/2014; revisado e aprovado em 24/10/2014; aceito em 22/11/2014DOI: http://dx.doi.org/10.1590/151870122015203

Resumo: Este trabalho teve como objetivo analisar os hábitos alimentares de famílias de baixa renda nos territórios dos Consórcios de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local de Mato Grosso do Sul (CONSAD). Foi feito um estudo quantitativo-descritivo junto a 584 indivíduos moradores dos 24 municípios abrangidos, pertencentes às classes sociais C2, D e E, no ano de 2010, utilizando questionário estruturado. Os resultados mostram a existência de dois clusters, nomeados de segmento “saudável” e segmento “apreciadores de comida”. Palavras-chave: Alimentação. Comportamento alimentar. Cultura alimentar.Abstract: This study aimed to examine the eating habits of low-income families in the territories of the Consortium for Food Security and Local Development of Mato Grosso do Sul (CONSAD). A quantitative-descriptive study was done with the 584 individuals living in the territory of the municipalities of CONSAD, social classes C2, D and E, in 2010, using a structured questionnaire. The results showed the existence of two clusters, named “healthy” segment and segment “food lovers”.Key words: Food. Feeding behavior. Food culture. Résumé: Cette étude visait à examiner les habitudes alimentaires des familles à faible revenu dans les territoires du Consortium pour la sécurité alimentaire et le développement local du Mato Grosso do Sul (CONSAD). Une étude quantitative descriptive a été réalisée avec les 584 personnes qui vivent sur le territoire des municipalités de CONSAD, classes sociales C2, D et E, en 2010, à l’aide d’un questionnaire structuré. Les résultats ont montré l’existence de deux groupes, nommés secteur «santé» et «amoureux de la nourriture” segment.Mots-clés: Alimentation. Comportement alimentaire. De la culture alimentaire.Resúmen: Este estudio tuvo como objetivo examinar los hábitos alimenticios de las familias de bajos ingresos en los territorios del Consorcio de Seguridad Alimentaria y Desarrollo Local de Mato Grosso do Sul (CONSAD). Un estudio cuantitativo descriptivo se hizo con las 584 personas que viven en el territorio de los municipios de CONSAD, clases sociales C2, D y E, en 2010, utilizando un cuestionario estructurado. Los resultados mostraron la existencia de dos grupos, denominados segmento “saludable” y “amantes de la comida” del segmento.Palabras clave: Alimento. Comportamiento de alimentación. La cultura alimentaria.

* Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. ** Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT&I), Brasília, Distrito Federal, Brasil.

INTERAÇÕES, Campo Grande, v. 16, n. 2, p. 265-276, jul./dez. 2015.

1 Introdução

A escolha alimentar é despertada muito cedo, desde a infância, por meio das sensações (tátil, gustativa, olfativa) sobre o que se come, e é pouco permeável homo-geneizar essas escolhas de acordo com a imposição feita pela produção e distribuição ­massificada.­A­­escolha­alimentar­também­faz­

uma interlocução com os recursos, gostos e hábitos, e dependem de maneira direta da classe social do indivíduo e da cultura em que vive (CANESQUI; GARCIA, 2005). O estudo dos hábitos alimentares tem papel fundamen-tal­para­ identificar­o­que­os­ consumidores­adqui rem em termos de alimentos e, também, quais os fatores que permeiam a escolha deles.

INTERAÇÕES, Campo Grande, v. 16, n. 2, p. 265-276, jul./dez. 2015.

266 Lilliane Renata Defante; Leidy Diana Oliveira Nascimento; Dario de Oliveira Lima-Filho

O consumo de alimentos está aumen-tando globalmente, porém os padrões de consumo variam de acordo com os países e os níveis de renda (LIMA-FILHO; OLIVEIRA, 2009; REGMI; GEHLHAR, 2005). Estudos pré-vios (FAO, 2008; INGLIS et al., 2009; MISHRA et al., 2002) mostram que a renda é um fator determinante do comportamento de consumo de alimentos, embora existam outras variáveis relevantes.

Para­definir­ os­hábitos,­ a­ cultura­ e­ o­comportamento alimentar da população de baixa­renda,­é­preciso­atentar-se­à­definição­dessa classe social. De acordo com o IBGE (2006), famílias de baixa renda são aquelas com poder de compra até 2 salários mínimos, consideradas de nível E (classe baixa); entre 2 e 5 salários mínimos, denominada classe D; e as famílias de 4 a 8 salários mínimo são con-sideradas C2 (renda média baixa). A mesma fonte revela que todas essas três classes juntas representam 45% dos lares urbanos brasilei-ros; esse dado mostra que o poder individual dessas classes é baixo, dispondo de apenas R$ 35,00 diários para gastar com alimentação.

Por volta de três quartos das famílias brasileiras pertencem hoje às classes C, D e E, conforme o Critério Econômico Brasil (IBGE, 2006). Essas famílias respondem por 42% do consumo do país e mobilizam, por ano, cerca de R$ 390 bilhões (CHAUVEL, MATTOS, 2008).

A pesquisa do orçamento familiar [POF 2008-2009] (IBGE, 2010) avaliou a quantidade consumida de alimentos pelas famílias diante de três possibilidades de resposta: normal-mente­ insuficiente;­ às­ vezes­ insuficiente;­ e­sempre­suficiente.­Esses­dados­confrontados­com o da POF de 2003 apresentaram robusta melhora da satisfação das famílias em todas as Regiões do Brasil. Mais de 60% das famílias (64,5%)­avaliaram­como­suficiente­a­quanti-dade de alimento, ante 53% da pesquisa de 2003. Em contrapartida, 35% das famílias diziam que a quantidade de alimento con-sumido normalmente ou eventualmente era insuficiente,­ dado­que­ confronta­ os­ quase­47% da pesquisa anterior. Os estados que apresentaram maior satisfação na quantidade de alimentos consumidos foram Rio Grande do­Sul­e­Santa­Catarina­(80,7%­sempre­sufi-ciente). Mato Grosso do Sul (MS), na Região Centro-Oeste, apresentou 77% das famílias com­resposta­para­sempre­suficientes.

Entre as famílias (no Brasil) que ava-liaram­como­insuficiente,­20,3%­registravam­até R$ 1.245,00 de rendimento familiar; 14,5% recebiam de R$ 1.245,00 a R$ 2.490,00; cerca de 10% têm rendimento de R$ 2.049,00 a R$ 6.225,00; e 2,4% recebiam acima de R$ 6.225,00 mensalmente. Os rendimentos versus gasto mensal com alimentos são espe-cificados­pelo­ IBGE­ (2010),­ segundo­o­qual­famílias que têm rendimentos de até R$ 830,00 mensais gastam R$ 207,15 com alimentação; as famílias com rendimento mensal de R$ 830,00 a R$ 1.245,00 gastam R$ 279,02 com alimen-tação mensalmente; famílias com rendimento mensal de R$ 1.245,00 a R$ 2.490,00 gastam R$ 378,83 mensais com alimentação; as famí-lias com rendimento mensal de R$ 2.490,00 a R$ 4.150,00 gastam R$ 522,66 mensalmente com alimentação.

O estudo da renda familiar não abran-ge 100% das famílias, já que a POF só inclui famílias com domicílios temporários ou per-manentes,­ficando­de­ fora­aqueles­que­não­possuem moradia. Não se incluem na renda os recursos de doações ou de programas do governo nem a produção para autoconsumo, as quais podem ter um impacto elevado no consumo alimentar.

O hábito alimentar da população bra-sileira originou-se a partir da miscigenação de culturas existentes ou trazidas ao país. No­Brasil,­ a­ alimentação­ teve­ influência­da­cultura indígena, por meio do modo de eco-nomia alimentar que eles utilizavam, como a atividade coletora, vivendo à custa da na-tureza e utilizando a mandioca na produção de variados alimentos. A alimentação vege-tariana teve papel fundamental na atividade de subsistência, bem como a caça e a pesca. A contribuição da cultura alimentar de Por-tugal era mostrar a existência da oliva; já os africanos introduziram o consumo de manga, de arroz e da cana-de-açúcar. Na atualidade, foram percebidas importantes mudanças nos hábitos alimentares dos brasileiros, tais como: a redução no consumo per capita de arroz, o aumento do consumo da carne, ovos e laticínios, e um incremento nos gastos com produtos industrializados (CONTRERAS; GRACIA, 2011).

Mas nem toda a população pode usu-fruir de alimentos saudáveis e em quantida-des­suficientes­regularmente.­Concernente­a­

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essa­afirmação,­Monteiro­ (2003)­afirma­que­a população de baixa renda, mesmo tendo acesso ao alimento, se mostra propensa a economizar­na­compra,­o­que­pode­significar­a redução da qualidade de vida e da varie-dade. Segundo Belik (2003), a fome não está apenas ligada à quantidade de alimentos con-sumidos, mas, também, à qualidade desses alimentos.­Assim,­um­estudo­para­verificar­os­hábitos alimentares de uma determinada po-pulação proporciona base para a formulação de políticas públicas de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN).

A­SAN­significa­dar­garantia­e­condi-ções de acesso a alimentos básicos de qua-lidade a todos, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em práticas alimentares saudáveis, contribuindo, assim, para uma existência digna, considerando todos os aspectos que são importantes para o desenvolvimento completo de um indivíduo saudável (OMS, 2003). Assim, para a melhor compreensão da SAN, existem quatro estágios como sugeridos por Weingartner (2004): i) “disponibilidade” refere-se à existência

física do alimento na produção ou no próprio mercado;

ii) “acesso” é garantido quando toda a fa-mília, todos os indivíduos dentro deste agregado familiar possuem recursos suficientes­para­obter­uma­alimentação­apropriada para uma dieta nutritiva, mas o acesso ao alimento depende, ainda, do ambiente físico, político e social;

iii) “consumo de alimentos” refere-se ao aspecto socioeconômico da segurança alimentar­da­família,­se­o­alimento­é­sufi-ciente e nutritivo ou disponível e acessível;

iv) “absorção biológica de alimentos” signi-fica­que­a­pessoa­deve­ter­uma­boa­saúde­para assimilar os alimentos ingeridos.

Neste estudo, analisou-se a etapa “con-sumo de alimentos”. O consumo é dependente da cultura alimentar de uma determinada po-pulação.­Especificamente­neste­trabalho,­os­há-bitos alimentares da população de baixa renda são considerados proxies da cultura alimentar.

De acordo com Poulain (2004), pes-quisas­científicas­atreladas­ao­conhecimento­científico­podem­ser­usadas­para­aprimorar­os padrões de alimentação da população, no

que diz respeito a técnicas de produção, com um “olhar” mais crítico aos riscos sanitários, sem interferir nas dimensões gustativas e/ou simbólicas, assim como podem ajudar no reconhecimento da população de risco conduzindo de melhor forma as políticas informacionais.

Em nível microeconômico, os critérios de consumo são usados para avaliar as impli-cações de preço versus renda sobre o estado nutricional, particularmente entre as pessoas com menos renda. São importantes, também, para idealizar ou melhorar programas go-vernamentais que representam a população, no­âmbito­da­identificação­de­grupos­vulne-ráveis à insegurança alimentar e nutricional para que logo sejam desenvolvidas políticas públicas a esses grupos, de acordo com sua colocação social, atendendo, assim, às neces-sidades­específicas­que­foram­identificadas.­

Dessa forma, no que diz respeito a po-líticas públicas, este trabalho contribui como embasamento de inclusão social que surge a partir da variável consumo. Tratando-se de políticas agrícolas e alimentares, ao aperfei-çoarem as condições de saúde da população e darem auxílio a outras vertentes, como a fome, a desnutrição e a mortalidade infantil, podem proporcionar emprego e renda à população, exercendo efeito proliferador da economia e, assim, contribuindo diretamente no desen-volvimento econômico, local e social de MS.

O trabalho traz contribuição gerencial, pois, como se trata da análise do compor-tamento de consumo de uma determinada população residente em pequenas cidades de MS, oferece uma base para desenvolver estra-tégias que sejam adequadas a esse mercado. À luz da academia, o estudo pode contribuir com uma discussão sobre a caracterização do comportamento do consumidor de baixa renda no interior do Brasil, permitindo uma compre-ensão mais apurada das suas determinantes.

Muitos estudos realizados para medir o comportamento de consumo de alimentos focam no viés econômico, como renda e preço (CUDJE; BREISINGER; DIAO, 2010; POWELL; ZHAO; WANG, 2009; MYERS, 2006) e, mesmo que prevejam as preferências individuais, não as investigam profundamente. Já os estudos do comportamento do consumidor de alimen-tos atrelados ao marketing costumam focar no hábito e preferência da população, com o

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intuito de­estratificar­o­mercado­e­determi-nar públicos-alvo (LENGARD; JOHANSEN; HERSLETH, 2010; LEIBTAG; KAUFMAN, 2003; BRADY; ROBERTSON; CRONIN, 2001). Entender quais são os hábitos ou com-portamentos alimentares de uma população torna-se importante quando se fala de baixa renda. Cada vez mais, o problema alimentar é considerado de ordem mundial, no qual os modelos de consumo são representados por desigualdade,­da­insuficiência­ao­desperdício,­o que acarreta desequilíbrios nutricionais.

Assim, entender os hábitos e preferên-cias alimentares dos consumidores ou da população­significa­compreender­como­eles­estão dispostos a gastar os recursos (dinheiro, tempo e esforço). No entanto são diversos os­fatores­que­influenciam­esse­processo­de­tomada de decisão (BELIK, 2003).

Nesse sentido, as preferências alimen-tares estão diretamente ligadas ao compor-tamento de compra dos indivíduos, que, por sua vez, é induzido pela relação direta e indi-reta com o ambiente micro e macroeconômico.

Este estudo tem como objetivo analisar os hábitos alimentares de famílias de baixa renda­de­pequenas­cidades­de­MS.­Especifi-camente,­pretende-se:­i)­identificar­os­hábitos­alimentares da população dos territórios CONSAD de MS; ii) analisar as preferências alimentares da população de baixa renda; e iii)­identificar­segmentos­de­consumidores.

2 Material e métodos

O presente estudo utilizou o banco de dados de um projeto maior, que aborda Segurança Alimentar e Nutricional e o De-senvolvimento Local, conduzido pela UFMS e UCDB. A pesquisa foi realizada junto a 584 famílias, em 24 pequenos municípios de MS,

em 2010. Esses municípios compõem os três Consórcios de Segurança Alimentar e Desen-volvimento Local (CONSAD) de MS. Terri-tórios CONSAD são organizações territoriais formalizadas institucionalmente pelo Minis-tério do Desenvolvimento Social e Combate à­Fome­(MDS),­com­um­número­definido­de­municípios de baixo IDH e que se agrupam para desenvolver ações, diagnósticos, projetos de SAN e são relacionados a sistemas agroa-limentares que visem à luta contra a pobreza e que sejam capazes de interferir na realida-de socioterritorial, de forma a integrarem as políticas públicas realizadas nos territórios e envolver os atores sociais (BRASIL, 2008).

O comportamento do consumidor de alimentos foi analisado com base em amostras aleatórias­estratificadas­de­cada­território­(584­famílias). As entrevistas foram efetuadas por estudantes de graduação e mestrado das duas IES, todos bolsistas do CNPq. A pesquisa abordou os hábitos e preferências alimenta-res da população de baixa renda (com renda média de até 4 salários mínimos) nesses muni-cípios. Foi utilizado questionário estruturado, denominado “Inquérito de SAN”.

Técnicas estatísticas descritivas, como distribuição de frequência, média aritmética e desvio padrão, foram utilizadas na análise quantitativa. Outras técnicas de análise foram: médias,­ teste­Qui-quadrado­para­as­signifi-câncias das médias e análise de agrupamento hierárquica aglomerativa [análise de clusters] (HAIR, JR. et al., 2005). As dimensões que analisadas foram: hábitos (MAIA-FILHO, 2008) e preferências alimentares (LEIBTAG; KAUFMAN, 2003; MURARO, 2007) dos con-sumidores. As variáveis utilizadas na análise de clusters estão no quadro 1, inspiradas em Drichoutis, Lazaridis e Nayga (2007).

Quadro 1 - Variáveis utilizadas para a análise de ClusterVariáveis

Comer Bastante.Comer carne.Várias vezes ao dia em pequenas quantidades.Variado (prato colorido).Várias vezes ao dia em grande quantidade.Comer fruta e verdura.No processo de escolha do alimento a ser consumido, você considera o fato de ele fazer bem à saúde.No processo de escolha do alimento a ser consumido, você considera o preço.No processo de escolha do alimento a ser consumido, você considera o sabor.No processo de escolha do alimento a ser consumidor, você considera o tempo de preparo.

Fonte: Elaborado pelos autores.

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O presente estudo não seguiu um modelo­específico­completo,­ investigou­em­pormenores algumas variáveis do modelo de Drichoutis, Lazaridis e Nayga (2007) para definir­as­escolhas­e­hábitos­alimentares­da­população de baixa renda dos territórios CONSAD de MS.

3 Resultados e discussão

3.1 Hábitos alimentares da população: crité-rio de escolha e preocupação com a saúde

Para avaliar o critério de escolha em relação à compra de alimentos, foi utilizada estatística descritiva, através das variáveis: sabor, preço, se o produto faz bem à saúde e o tempo de preparo. Observando de maneira geral­(Gráfico­1),­verifica-se­que­os­graus­de­im-portância dos atributos analisados são diferen-tes (teste Qui-quadrado; p-valor < 0,000001).

Gráfico 1 – Atributos mais relevantes na aquisição do produto

52%

62%

39%

17%

42%

32%

48%

32%

6% 6%12%

51%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

Saúde Preço Sabor TempoImportante Indiferente Não importante

Fonte: Elaborado pelos autores com dados da pesquisa realizada.

Se comparar dois a dois na amostra de 584­pessoas,­obter-se-á­diferença­significati-va quando as porcentagens forem maiores que­8%.­Dessa­ forma,­pode-se­afirmar­que,­em­um­nível­de­confiança­de­95%,­preço­é­o­atributo mais importante para a população-alvo, seguido da saúde, sabor e tempo. Isso significa­que­preço,­nas­famílias­de­baixa­ren-da, é o principal quesito na hora de escolher um alimento. Estudo realizado por Chauvel e­Mattos­(2008)­confirma­esse­resultado,­no­qual os consumidores dedicam muita atenção e tempo às decisões de alocações de recursos (tempo, dinheiro e esforço) e hierarquizam seus gastos em ordem de prioridade, pesqui-sam preços e buscam organizar suas compras e consumo de forma a evitar desperdícios.

Considerando que possuem recursos escassos para gastarem com alimentos mais caros, e considerando que as formas atuais de distribuição­são­menos­eficientes­para­famí-lias de renda baixa, o preço é primordial na

escolha dos alimentos nessa classe social. Por outro­lado,­não­significa­que­a­racionalidade­econômica seja, de fato, sempre dominante nas escolhas de consumo.

Considerando, ainda, a relação de pro-porcionalidade inversa entre preço e renda, quanto menor a renda da população, maior a importância do preço como critério de escolha dos produtos alimentícios. Estudo realizado no mesmo território, com uma amostra de 1.200 pessoas,­confirma­essa­afirmação.­Oliveira­et­al.­(2010)­afirma­que­variáveis­socioe­conômicas­(renda, escolaridade, tamanho de família) impactam no comportamento de consumo de alimentos, principalmente no que diz respeito ao comportamento saudável; ou seja, quem tem­menor­renda­tende­a­ser­flexível­em­sua­decisão de compra de alimentos quando exis-tem mudanças no ambiente econômico, o que vai de encontro às sugestões da FAO (2008).

Apenas 39% da população considerou sabor como atributo relevante na escolha dos

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alimentos. Ou seja, os benefícios intrínsecos, como o sabor, não mostram relevância alta entre a população entrevistada, dado que diversas marcas não premium são consumidas de forma a satisfazer as famílias.

Pode-se­constatar­(Gráfico­2),­observan-do de modo geral, que as considerações sobre a importância dos hábitos alimentares são diferentes (p-valor < 0,000001). Se comparar de dois a dois na amostra de 584 pessoas, como­pode­ser­visto­na­figura­1,­neste­também­se­obterá­diferença­ significativa­quando­os­percentuais forem maiores que 8%. Assim, pode-se­afirmar,­a­um­nível­de­confiança­de­95%, que comer frutas e verduras é o mais importante ao se alimentar, seguido de prato variado (colorido), comer carne, comer várias vezes ao dia em pequenas quantidades, comer bastante e, por último, comer várias vezes ao dia em grande quantidade.

Assim, a população de baixa renda

mostra-se preocupada com a saúde, e sabe que comer frutas e verduras (94%) e comer várias vezes ao dia em pequenas porções (58%), são práticas adequadas para alimentar-se melhor. Porém resta a questão preço, que pode acarretar ainda na escolha errada dos alimentos que fazem bem à saúde.

3.2 Preferências alimentares da população de baixa renda

Os dados revelam que a preferência alimentar da população guarda coerência com identidade cultural do Brasil, tratando-se do arroz e feijão como refeição principal, sendo consumidas duas ou mais vezes ao dia; carne de frango, carne suína e peixe foram relata-dos por mais de 90% dos entrevistados como alimento indispensável pelo menos uma vez ao dia, assim como frutas (90,74%), frituras (94,50%), macarrão (96,26%) e o ovo (95,72%).

Gráfico 2 - Considerações de importância ao se alimentar

0%

10%20%

30%

40%50%

60%70%

Comer bastante

Comer carne

Comer várias vezes ao dia em pequena 

quantidade

Variado (prato 

colorido)

Comer várias vezes ao dia em grande 

quantidade

Comer fruta e verdura

Muito Importante

Importante

Indiferente

Pouco Importante

Nada Importante

Fonte: Elaborado pelos autores

As verduras e legumes também tiveram grande impacto (mais de 80% dizem comer pelo menos uma vez ao dia), bem como o

leite, relatado por mais de 70% da população de baixa renda, e carne bovina (67,81%).

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Tabela 1 – Preferências alimentares da população de baixa renda

Alimentos Número de vezes no diaFrequente (1x/dia) Muito Frequente (2x ou mais/dia)

Arroz 16,10% 83,90%Feijão 21,32% 78,68%

Carne Bovina 67,81% 32,18%Carne Suína 99,03% 0,97%

Frango 96,80% 3,20%Ovo 95,72% 4,28%Leite 77,03% 22,97%Peixe 98,12% 1,88%

Verduras / Legumes 86,07% 13,93%Frutas 90,74% 9,25%

Frituras 94,50% 5,51%Macarrão 96,26% 3,74%

Fonte: Elaborado pelos autores.

Arroz e feijão é uma combinação de alimentos que não pode faltar na mesa dessa população, sendo os dois alimentos que a po-pulação de baixa renda consome com muita frequência todos os dias. Os outros alimentos também são considerados de consumo fre-quente.­O­IBGE­(2010)­confirma­que­a­popu-lação de baixa renda é a que mais consome arroz e feijão. Ainda de acordo com o IBGE (2010), corroborando ainda com os resultados encontrados, há um baixo consumo de frutas, legumes e verduras, fonte de vitaminas e minerais,­e­fibras­que­são­muito­importantes­para o regulamento intestinal.

3.3 Cluster de consumidores

Para­verificar­a­possível­existência­de­segmentos distintos considerando hábitos e preferências alimentares da população de

baixa renda de pequenas cidades, foi feita uma análise de clusters utilizando as variáveis do quadro 1. O método escolhido foi o aglo-merativo Ward (HAIR et al., 2009), que inicia a análise com um segmento para cada respon-dente (584) e, a partir daí, vai aglomerando os mais próximos até formar um grande e único segmento, buscando sempre minimizar a variação interna dos agrupamentos.

Para selecionar a quantidade ideal de segmentos, é preciso observar a variação percentual­dos­coeficientes­de­aglomeração­(Tabela 2). Depois de selecionar a quantida-de­de­segmentos,­é­necessário­identificá-los.­Para tanto, foram analisadas as médias de notas atribuídas em cada segmento. Feito o cruzamento com as variáveis elencadas no quadro 1, por meio do teste qui-quadrado, foi avaliada a relação de dependência (Tabela 2).

Tabela 2 –­Coeficientes­de­aglomeração

Clusters Coeficientes de aglomeração Número de observações Distância médiaCluster 1 3485,34 353 3,017Cluster 2 2193,56 231 2,97

Fonte: Elaborado pelos autores com fontes de dados primária.

Assim, a análise de clusters­identificou­dois tipos de segmentos presentes na popu-lação­de­baixa­renda,­cujo­perfil­demográfico­consta da tabela 3. A maioria dos entrevista-dos é composta por mulheres (79%), nos dois segmentos. O elevado percentual de mulheres

foi devido ao local e horário de entrevista, que foi realizada de segunda a sábado – nos domicílios, em horário de comercial – o que resultou no fato de que, em grande parte dos casos, os homens se encontravam fora.

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272 Lilliane Renata Defante; Leidy Diana Oliveira Nascimento; Dario de Oliveira Lima-Filho

Tabela 3 –­Perfil­amostra/populaçãoVariáveis Segmentos p-valor

Idade Cluster 1 Cluster 2até 44 223 165 0.039

45 ou mais 130 66Segmentos p-valor

F 281 178 0.481M 71 52

Segmentos p-valorZona Cluster 1 Cluster 2

Urbano 297 199 0.525Rural 54 31

Segmentos p-valorEscolaridade Cluster 1 Cluster 2

Até ensino primário incompleto 190 132 0.39Ensino primário completo 37 21Ensino ginasial incompleto 57 49Ensino ginasial completo 27 11Ensino médio incompleto 19 14Ensino médio completo 18 2

Fonte: Elaborado pelos autores.

Em sua maioria (85,2%), os entrevista-dos são residentes urbanos. Quanto à escola-ridade, 55,3% tinham ensino primário incom-pleto - no Brasil este índice é de 44,7% – de acordo com dados da PNUD (2009). Apenas 3,4% dessa população entrevistada terminou o ensino médio (contra 24,5 % no Centro-Oeste). A taxa de analfabetismo no Brasil, segundo a PNUD (2009), é de 9,7% e, no Centro-Oeste, de 8%. Porém a pesquisa demonstra que essa taxa é de 11,01% nos territórios CONSAD de MS, com índice de escolaridade menor que as médias nacionais e regionais.

A nomeação dos segmentos foi feita de acordo com a frequência das respostas e no-tas atribuídas às variáveis. O segmento X foi nomeado de “Saudável” por considerar mais importante o fator saúde na hora de escolher um alimento. E o segmento Y foi designado de “apreciadores de comida” por considerar “comer bastante e sabor” como elementos cruciais na hora da escolha de alimentos.

Ambos os segmentos são marcados por pessoas que consideram importante comer frutas e verduras. Para o segmento “saudá-vel”, essa foi uma variável que mais obteve notas altas, sendo considerado determinante na alimentação da população, com nota de

4,34.­O­p-valor­nesses­critérios­foi­significati-vo. Em sequência, o preço foi destacado com a nota de 3,96 de importância; o prato varia-do­(colorido)­ficou­com­nota­de­3,9,­também­muito importante; comer bastante obteve 1,58 de nota; comer várias vezes ao dia em grandes­quantidades­ficou­com­nota­1,37;­e­comer carne com nota de 1,06, foi destacado como­significativo.

O segmento “apreciadores de comida” é formado por pessoas que assumiram a mesma situação de escolha, considerando importante comer frutas e verduras, item com nota de 4,22. O que se pode considerar aqui é que, mesmo sendo de renda baixa, essa popula-ção tem como preocupação alimentar-se de maneira saudável incluindo frutas e verduras na dieta diária. Isso pode ser explicado pelo fato de muitos entrevistados possuírem, em suas casas, hortas para consumo próprio. Aqueles que não produzem para autocon-sumo adquirem o produto dependendo do preço e do acesso a esses alimentos. O prato variado (prato colorido), com nota de 4,12, é muito importante para esse segmento, segui-do do preço com 3,78; comer bastante, com 3,93; e sabor, com 3,28 (Tabela 4).

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273Comportamento de consumo de alimentos de famílias de baixa renda de pequenas cidades brasileiras: o caso de Mato Grosso do Sul

O cluster 1 teve 353 casos (60,45% da população) e o cluster 2 teve 231 casos (39,55% da população). Ao analisar as notas médias obtidas em cada segmento, bem como os seus respectivos p-valores, pode-se perceber seis variáveis­que­apresentam­diferença­significa-tiva entre as médias. São elas: comer bastante, comer carne, prato variado, comer várias vezes ao dia em grandes quantidades, comer frutas e verduras e o preço, ou seja, através delas é possível atender de maneira adequada cada­um­dos­segmentos,­sendo­eles­significa-tivos,­e­confiáveis,­pois,­o­p-valor­foi­menor­que 0,05. Feito isso, cruzaram-se os segmentos encontrados­com­os­dados­sociodemográficos.­

O único cruzamento (cross-section) considerado­significativo­devido­ao­p-valor­menor 0,05 foi a idade versus segmento; en-tão,­ a­ idade­ impacta­ significativamente­no­comportamento alimentar da população de baixa renda. Tanto no segmento “saudável” quanto no segmento “apreciadores de comi-da”, a maioria dos entrevistados tem idade menor que 44 anos, com um total de 63,17% no segmento “saudável” e 71,43% no segmento “apreciadores de comida” Os demais estão acima dos 45 anos. A análise detalhada da relação entre idade e hábitos e preferências alimentares está representada na tabela 5.

Tabela 4 – Segmentos dos hábitos e preferências alimentares da populaçãoNotas médias

Variáveis Segmento “saudável”

Segmento“apreciadores da comida” p-valor

Comer bastante 1,58 3,93 0,00Comer carne 1,06 0,88 0,00Várias vezes ao dia em pequenas quantidades 3,2 3,19 0,93Variado (prato colorido) 3,9 4,12 0,01Várias vezes ao dia em grande quantidade 1,37 2,06 0,00Comer fruta e verdura 4,34 4,22 0,05Fazer bem a saúde 3,7 3,58 0,12Preço 3,96 3,78 0,03Sabor 3,38 3,28 0,19Tempo de preparo 2,4 2,32 0,44

Fonte: Elaborado pelos autores com dados da pesquisa realizada.

Tabela 5 – Segmentos dos hábitos e preferências alimentares versus idade da populaçãoNotas médias

VariáveisSegmento X “saudável” Segmento Y “apreciadores da comida”

Até 18 18-24 25-34 35-44 45-54 55ou mais Até 18 18-24 25-34 35-44 45-54 55

ou maisComer bastante 2,20 1,73 1,59 1,40 1,70 1,58 4,13 4,04 3,99 3,91 3,78 3,87Comer carne 3,20 3,43 3,49 3,47 3,54 3,50 3,75 4,08 4,07 3,75 3,89 4,00Várias vezes ao dia em pequenas quantidades 2,60 3,70 3,11 3,18 3,24 3,15 3,00 3,08 3,20 3,28 3,22 3,13

Variado (prato colorido) 2,80 3,60 4,04 4,07 3,84 3,73 4,00 4,08 4,03 4,21 4,22 4,13Várias vezes ao dia em grande quantidade 1,80 1,73 1,43 1,28 1,39 1,20 2,88 2,13 2,03 1,98 1,94 2,17

Comer fruta e verdura 3,20 4,27 4,41 4,48 4,31 4,22 4,13 4,25 4,21 4,28 4,19 4,17Fazer bem a saúde 3,40 3,80 3,73 3,74 3,64 3,67 3,63 3,79 3,63 3,77 3,19 3,43Preço 3,80 3,77 4,00 3,92 4,00 3,97 3,13 3,38 3,91 3,79 3,69 3,90Sabor 3,00 3,33 3,44 3,33 3,40 3,40 3,75 3,46 3,38 3,33 3,00 3,03Tempo de preparo 2,60 2,10 2,34 2,51 2,46 2,43 2,50 2,33 2,39 2,53 2,17 1,93Fonte: elaborado pelos autores com dados da pesquisa realizada

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274 Lilliane Renata Defante; Leidy Diana Oliveira Nascimento; Dario de Oliveira Lima-Filho

Observa-se a regularidade nas notas atribuídas aos quesitos, tanto no segmento “saudável”, quanto no segmento “aprecia-dores de comida”. Porém o item “comer bas-tante” é o que apresenta a maior divergência entre os segmentos, visto que, enquanto para o segmento “saudável” ele é considerado de nenhuma a pouca importância, para o segmento “apreciadores de comida”, ele é considerado muito importante.

Para o segmento “saudável”, um quesi-to diverge: variedade dos pratos. Nas faixas de idade de 25 a 34 anos e de 35 a 44 anos, o quesito variedade dos pratos é considerado importante, porém, para as demais faixas, é considerado de pouca importância a indi-ferente. Para a idade inferior a 18 anos, no segmento “saudável”, é importante mencio-nar que a nota atribuída ao quesito “comer fruta e verdura” destoa das demais notas para o­mesmo­quesito,­o­que­pode­ser­justificado­pelo fato de a população jovem “fugir” de uma alimentação “saudável”.

Quando se comparam os dois segmen-tos, nota-se que o item “comer várias vezes ao dia”, é o que apresenta as notas mais baixas dentre os quesitos avaliados, para os dois segmentos, que o consideram um item de nenhuma a pouca importância. Quando se comparam idade versus segmentos, para a faixa etária de 18 a 24 anos, do segmento “saudável”, comer bastante é considerado de nenhuma a pouca importância, enquanto na mesma faixa, para o segmento “apreciadores de comida”, é considerada importante.

Em consonância aos resultados apre-sentados, de acordo com Laureatti et al. (2006), as pessoas idosas escolhem alimentos mais saudáveis por se preocuparem com a boa nutrição. Por outro lado, Pagotti (2006) afirma­que­para­os­jovens,­de­modo­geral,­é­considerada uma alimentação equilibrada o estado de bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doenças ou debilidades. No entanto muitos jovens têm o FISBERG et al. (2003), conhecimento de uma boa alimentação, mas, em sua maioria, não optam por ela.

4 Considerações finais

Esta pesquisa teve como objetivo iden-tificar­os­hábitos­alimentares­da­população­de­

baixa renda nos territórios CONSAD de MS. Para tanto, foi realizado um survey sobre as preferências e hábitos alimentares da popula-ção de baixa renda em 24 pequenas cidades. Buscou-se estudar tais comportamentos a partir de informações reveladas pelos pró-prios entrevistados sobre os produtos alimen-tares que mais consomem, as considerações de importância ao se alimentar e os hábitos alimentares.

Com isso, foi possível identificar os alimentos que não podem faltar à mesa do consumidor e os hábitos alimentares. O principal critério de escolha de alimentos, nessa população, é o preço do alimento. Em segundo lugar, as pessoas são conscientes de que o alimento precisa fazer bem à saúde, mas, muitas vezes, é preciso fazer escolhas que podem não ser as melhores para a saúde devido ao recurso disponível para gastar com alimentação, precisando, em alguns momen-tos, fazer ponderações sobre o que se pode ou não comprar.

Os alimentos que compõem o prato principal em MS são o arroz e o feijão, com-binação consumida pelo menos duas vezes ao dia, assumindo o que foi relatado sobre a identidade cultural do local. Ao se analisar os critérios de comer pelo menos uma vez ao dia, percebe-se que os entrevistados con-somem carne de frango, suína, bovina ou de peixe, frutas, verduras, macarrão, fritura, ovo e leite. Eles têm o conhecimento de que, para obter uma alimentação saudável, é essencial comer sistematicamente frutas e hortaliças e ter um prato com diversidade de alimentos (variedade na composição da dieta, como: carboidratos,­fibras,­legumes­e­verduras­etc.);­todavia nem sempre é possível manter essa composição que está relacionada aos recursos disponíveis (dinheiro, esforço, tempo).

Mediante da análise de cluster­identifi-caram-se dois segmentos principais, nomea-dos pelos autores como “saudáveis”, aqueles que têm mais preocupação com a saúde, e “apreciadores de comida”, referente ao que gostam de comer bastante e um prato bem colorido, nos quais o preço foi apontado por ambos os segmentos como o critério decisivo na escolha dos alimentos. As duas categorias responderam que o preço é decisivo na hora de comprar os alimentos, sendo o critério de escolha mais importante. Eles também falam

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275Comportamento de consumo de alimentos de famílias de baixa renda de pequenas cidades brasileiras: o caso de Mato Grosso do Sul

que o prato precisa ser variado, comer em pequenas porções várias vezes ao dia e que o alimento precisa fazer bem à saúde.

A idade da população tem importância significativa­na­ escolha­dos­ alimentos.­De­um lado, o mais jovem, mesmo conhecendo alguns conceitos sobre a alimentação saudá-vel, nem sempre opta por ela; por outro lado, os idosos preferem a redução em comidas muito gordurosas e começam a ingerir menos açúcares e diminuem o nível de sal.

Os dados deste estudo podem ser úteis tanto para as políticas públicas quanto para a classe empresarial. No que diz respeito a políticas públicas, o conhecimento das esco-lhas alimentares ser dependente do recurso disponível (dinheiro, tempo e esforço) para essa população poderia contribuir para uma melhor orientação das políticas de distribui-ção de renda e saúde pública, que pretendem melhorá-las através da alimentação. Apresen-ta dois segmentos de consumidores dentro dessa população, podendo contribuir para a orientação e a realização de campanhas de reeducação alimentar para populações de baixa renda, na busca de informações sobre a maneira que o indivíduo pode usar os ali-mentos disponíveis para sua alimentação. Ou seja, além de proporcionar uma melhor dis-tribuição de alimentos e com preços menores, as políticas públicas devem colocar em sua envergadura programas que conscientizem a população sobre nutrição.

No que diz respeito a contribuições gerenciais, este estudo oferece a caracteri-zação do comportamento de consumidor de alimentos de baixa renda, residentes em pequenas cidades, que serve como base para desenvolvimento de estratégias orientadas para o mercado, conhecimento essencial para que os agentes da cadeia produtiva (agricul-tores, fabricantes e varejistas) agreguem valor aos produtos, podendo direcionar tipos de alimentos para as diferentes classes sociais. À luz da academia, o estudo contribui com a caracterização do comportamento do consu-midor de alimentos no que diz respeito à es-colha e aos hábitos e preferências alimentares.

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