Click here to load reader
Upload
nguyenliem
View
212
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Itinerários de Filosofia da Educação
Número 3, 1º Semestre de 2006
ÍNDICE
- Adalberto Dias de Carvalho (Universidade do Porto) Subjectividade, Perfectibilidade e Utopiaem Educação, p. 5- Jean Houssaye (Universidade de Rouen, França) Les pédagogies en proie aux limites, p. 23- Alain Kerlan (Universidade Lumière Lyon 2, França) L’Éducation esthétique á l’âgepostmoderne - Le paradoxe de la politique éducative des arts dans un monde complexe etincertain, p. 47– Albertina Fonseca (Mestranda na Universidade Nova de Lisboa) A ténue fronteira entre oendoutrinamento e a educação, p. 63– Alexandra Castro Nunes (Doutoranda na Universidade de Aveiro) A Identidade Profissionaldos Professores e a Qualidade da Educação: entre os desafios do real e o discurso dasimulação, p. 73- Anne Schippling (Doutoranda nas Universidades de Halle-Wittenberg e de Coimbra) Aeducação filosófica face ao desafio pós-moderno, p. 87 - Artur Manso (Universidade do Minho) Da necessidade de uma educação estética: contributopara uma nova abordagem existencial, p. 101- Blandina Lopes (Gabinete de Filosofia da Educação, FLUP) Universal sem totalidade eurgência de uma educação intercultural, p. 119- Eduarda Maria da Costa Maia (Mestranda na Universidade Nova de Lisboa) Educação:estratégias e dispositivos de exercício de poder, p. 129- Emanuel Oliveira Medeiros (Universidade dos Açores) A educação contemporânea como lugarde (im)possíveis), p. 139- Fernando Evangelista Bastos (Gabinete de Filosofia da Educação, FLUP) A educabilidade comolimiar da endoutrinação e da reprodução, p. 161
- Hélèna Theodoropoulou (Université d’Egée) La Philosophie de l’Education : la « consciencemalheureuse », le visage de Janus et les mouvements, p. 181- Joana Brandão de Carvalho (Doutoranda da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro)Porque são utópicas as utopias?, p. 199- João Boavida e Maria Formosinho (Universidade de Coimbra) Crise na educação: da contra-tradição à contradição, p. 207 - Joaquim Jorge Moreira da Silva (Gabinete de Filosofia da Educação, FLUP) A problemática daemancipação no pensamento de Paulo Freire, p. 217- Joaquim Machado de Araújo e Alberto Filipe Araújo (Universidade do Minho) Utopia,simbolismo e educação, p. 235 - José Alberto Damas (Escola Secundária Joaquim de Araújo, Penafiel) Opacidade etransparência no dizer educativo, p. 253 - Luís Manuel Bernardo (Universidade Nova de Lisboa) Plasticidade e tradução: algumasreflexões sobre a textualidade formativa, p. 267- Pedro Ângelo Pagni (Universidade Estadual Paulista, Brasil) Nos limiares contemporâneos daeducação: interpelar as interpelações epistemológicas e hermenêuticas da filosofia daeducação, p. 295
Resumos dos artigos deste número
- Adalberto Dias de Carvalho, Universidade do Porto
Subjectividade, Perfectibilidade e Utopia em Educação
Resumo: Parte-se do pressuposto de que as pedagogias autoritárias assentam no princípio de
que a natureza e as prerrogativas de um sujeito-ego, consciente de si, constituem um dado
que condiciona quer o comportamento dos actores tidos como responsáveis – os educadores
–, quer os modelos antropológicos a assumir pelos educandos e que, portanto, deverão
animar os processos educativos.
A partir daqui e revalorizando-se a noção do sujeito enquanto subjectividade susceptível de
autonomia, ou seja, enquanto relação primordial com o si, pretende-se reabilitar a ideia de
um ethos filosófico problematizador e interpelante capaz de sustentar em termos ético-
antropológicos propostas pedagógicas alternativas.
As noções de perfectibilidade e de utopia – inerentes a qualquer projecto educativo - serão,
por seu turno, critica e complementarmente revisitadas de forma a que, delimitando-se a sua
equivocidade, se delineie o espaço epistemológico e hermenêutico imprescindível para a
legitimação e a coerência da revisão antropológica acima enunciada.
- Jean Houssaye, Universidade de Rouen, França Les pédagogies en proie aux limites
Resumo: Analyser les limites de la pédagogie, c'est se trouver confronté à la question de la
puissance. Cette puissance peut être celle du pédagogue, auquel cas les limites résident dans
la force des possibilités de l'action pédagogique. Cette puissance peut aussi être celle de
l'éduqué, auquel cas les limites tiennent aux conditions de la situation pédagogique. En tout
état de cause, qu'elle réussisse trop bien ou qu'elle échoue, la pédagogie se définit par la
médiocrité.
- Alain Kerlan, Universidade Lumière Lyon 2, FrançaL’Éducation esthétique á l’âge postmoderne - Le paradoxe de la politique éducative des arts dans un monde complexe etincertain -
Resumo: If we just look to the facts, I mean to the practices and discourses, there is no
doubt about it: since the past thirty years, in French education, interest and belief in the role
of art in education, or, to put it simply, in art as education, are increasing. Art education and
aesthetic education are now regarded as and expected to be the new chance for educational
reform and educational change.
The primary focus of this paper will be on those practices, discourses and arguments about art
education, examined in a philosophical way: this paper will address the question of their
meaning and will elucidate their most significant implications in the process of change that
encountered contemporary education. In fact, Elucidation is today for the philosophy of
education one of its most necessary functions, may be the first one.
- Albertina Cecília Béco da Fonseca, Mestranda na Universidade Nova de LisboaA ténue fronteira entre o endoutrinamento e a educação
Resumo: Olivier Reboul, filósofo francês, ainda pouco estudado quer em filosofia, quer em
filosofia da educação, se bem que muito referido, é merecedor da nossa atenção por abordar
temas fulcrais na problemática educacional. Com a sua formação filosófica de base, em
particular no domínio da filosofia da educação o autor oferece um enfoque filosófico para
muitas das questões da prática educativa.
Deste modo, nas suas obras destacam-se questões essenciais tais como “O que é o
endoutrinamento?” ou “Qual a relação entre valores e educação?” / “Quais os valores da
educação?”
Por nos parecer um autor com múltiplas potencialidades de exploração filosófica e por ser
objecto da nossa investigação no âmbito do Mestrado em Filosofia da Educação, sob a
orientação do Professor Doutor Luís Manuel Bernardo, propomo-nos analisá-lo a partir da
questão A ténue fronteira entre o endoutrinamento e a educação, cuja pertinência é
inquestionável.
- Alexandra Castro Nunes, Doutoranda na Universidade de AveiroA identidade profissional dos professores e a qualidade da educação: entre osdesafios do real e o discurso da simulação
Resumo: A presente comunicação apela a uma reflexão relativamente ao papel que os
professores desempenham numa sociedade fluida, em constante mutação e em que a
qualidade da educação é repetidamente apregoada.
Na esteira de múltiplas análises sobre diferentes domínios da sociedade pós-moderna,
também os professores se debatem com uma crise de identidade cujo fim não se vislumbra e
que os lança numa busca labiríntica de respostas aos desafios colocados pela realidade.
Contudo, muitas vezes tal poder-se-á revelar uma empreitada difícil, em especial nas esferas
em que as decisões são fortemente centralizadas ou nos casos em que o apregoado sucesso é
revestido pela superficialidade e pela simulação. Neste contexto, a reflexão séria e ponderada
sobre as trajectórias a seguir nesta jornada pelo século XXI assume uma importância capital e
à qual as estruturas burocráticas, administrativas e políticas devem atribuir a merecida
atenção.
- Anne Schippling, Doutoranda da Universidade de Halle-Wittenberg e da Universidade deCoimbraA educação filosófica face ao desafio pós-moderno
Resumo: Os crimes contra a humanidade, que culminaram em „Auschwitz“, desferiram o
golpe fatal na ideia da razão iluminista, que almejava o progresso para a humanidade. Para
Jean-François Lyotard, a narrativa das Luzes“, que tem como base a razão universal
iluminista, foi „liquidada“ em „Auschwitz“. Na situação pós-moderna a razão como unidade
dissipa-se numa „pluralidade radical“ de diferentes racionalidades.
Neste contexto é premente colocar a questão sobre de que forma esta situação se reflecte no
ensino da filosofia cuja finalidade continua ligada à promoção do “exercício pessoal da razão”
por parte dos alunos numa perspectiva iluminista.
O desafio pós-moderno significará uma queda na irracionalidade ou será possível apesar da
crise da razão iluminista não abandonar a perspectiva da promoção da reflexão crítica no
ensino da filosofia?
- Artur Manso, Universidade do MinhoDa necessidade de uma educação estética: contributo para uma nova abordagemexistencial
Resumo: Nesta comunicação é nossa intenção reflectir a problemática educativa
contemporânea a partir de diferentes percepções de alguns conceitos axiológicos estruturantes
das relações entre os indivíduos e as sociedades.
De forma sucinta, com a finalidade de esclarecer o impacto das novas valorações nas relações
entre diferentes gerações e diversas sociedades, contraporemos a moral normativa, que serviu
de orientação às gerações mais velhas e a moral relativista em que as novas gerações têm
vindo a ser educadas. Em consequência, como contributo para a solução de alguns dos
problemas axiológicos surgidos na contemporaneidade, num horizonte de abertura e
complementaridade, faremos a apologia da educação estética, que sempre foi subalternizada,
por nos parecer que com ela podemos encontrar um novo élan que nos permita melhorar a
relação entre os homens e as sociedades.
Estamos convictos de que com a valorização da dimensão estética do ser humano, seremos
capazes de redireccionar as prioridades da complexidade existencial no sentido do que
permanece, redescobrindo o nosso lugar na natureza e a respectiva relação com os outros.
- Blandina Lopes, Gabinete de Filosofia da Educação, FLUPUniversal sem totalidade e urgência de uma educação intercultural
Resumo: Assistimos, no limiar do século XXI, a um estilhaçar cada vez maior do paradigma
da mesmidade e, consequentemente, de um universal totalizante, para dar lugar a um
paradigma em que a diversidade, a alteridade, vão-se manifestando como categorias que
permitem uma leitura mais aproximada da realidade do ciberespaço e, desde logo, da
cibercultura que conduz à configuração de um universal sem totalidade (cf. Pierre Lévy).
E é precisamente porque, como diz Pierre Lévy em Cibercultura, a solução simbolizada pelas
telecomunicações "implica o reconhecimento do outro, a aceitação mútua, a entreajuda, a
cooperação, a associação, a negociação para além das divergências de pontos de vista e de
interesses" e porque "a cibercultura exprime a ascensão de um novo universal, diferente das
formas culturais que a precederam na medida em que ele se constrói sobre a indeterminação
de um qualquer sentido global" (pp. 14-15), que se nos afigura ser tão urgente uma educação
que promova uma verdadeira interculturalidade e não simplesmente uma realidade
multicultural em que os diferentes sujeitos portadores de diferentes culturas vão coexistindo
sob a forma de mosaico cultural sem se enriquecerem mutuamente, numa relação ausente de
reciprocidade. Num tempo como o nosso bastante facilitador da relação entre sujeitos
portadores de uma enorme diversidade de códigos culturais, assiste-se, frequentemente, ao
eclodir de desequilíbrios ou mesmo de conflitos gerados por essa mesma diversidade e até
relatividade de sentidos. Daí que nos pareça ser tão necessário promover princípios de
educabilidade que apostem no diálogo intercultural, diálogo esse concretizado através da
criação de um terceiro espaço (cf. Claude Clanet) que não pertence nem a um código nem ao
outro, mas que participa dos dois; melhor dizendo, que constitui a mediação entre os dois ou
mais códigos e o lugar de ancoragem dos sujeitos, a partir do qual eles vão poder circular de
um código ao outro, enriquecendo-se de uma forma recíproca, mas sem que, no entanto, isso
implique a instauração de um consenso universal à boa maneira habermasiana.
- Eduarda Maria da Costa Maia, Mestranda na Universidade Nova de LisboaEducação: estratégias e dispositivos de exercício de poder
Resumo: Procurarei mostrar como há uma correspondência entre a discrição que Foucault faz
do sistema prisional contemporâneo em “Vigiar e Punir” e a organização da constituição
escolar no ensino básico. Para o efeito serei levada a reflectir sobre as relações entre Poder e
Educação, tema em que me encontro a redigir no âmbito do mestrado de Filosofia da
Educação na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa sob a
orientação do Professor Dr. Luís Bernardo.
- Emanuel Oliveira Medeiros, Universidade dos AçoresA educação contemporânea como lugar de (im)possíveis)
Resumo: Nesta comunicação pretendo pôr à evidência alguns “impasses”, “contradições” e
“limites” que se colocam à Educação e na Educação. A Educação é, por natureza, um espaço e
um tempo de utopias, realizações, pragmatismo e muitas antinomias. E assim se vai fazendo
a educação das pessoas e das comunidades. Assim se faz um currículo, numa vida com
projectos e de projectos. Afinal, é a vida das pessoas, das instituições e das comunidades que
está sempre em acção e em causa, num horizonte de valores. Urge (re)pensar finalidades,
objectivos, metodologias e caminhos. Que lugar para as ideias e para os ideias no fazer
educativo contemporâneo? Que figura do humano a educação é capaz de fazer ou ajudar a
realizar?
Nesta comunicação, procurarei pôr à evidência que a Filosofia da Educação, bem como a
Filosofia do Currículo, que urge configurar, deve empenhar-se numa tarefa teórica e prática. A
Filosofia da Educação deve promover a praxis. Urge (re) perspectivar o(s) sentido(s) da
Educação na contemporaneidade e indagar sobre os pilares fundantes capazes de sustentar
uma Sociedade Educativa, para além da Sociedade do Conhecimento.
Pretendo, também, defender que a Filosofia da Educação é uma disciplina e uma forma de
cultura imprescindível para pensar e acompanhar, de modo reflexivo e crítico, os processos
educativos. Não cabe à Filosofia da Educação apenas saber ver, compete-lhe cada vez mais
ajudar a ver e, também deste modo, ajudar a Ser, a ser gente num mundo a (re)construir. Por
tudo isto, a Educação Contemporânea é um espaço e um tempo de (im)possíveis que nos
fazem dignos de humanidade. Estaremos nós no caminho?
- Fernando Evangelista Bastos, Gabinete de Filosofia da Educação, FLUPA educabilidade como limiar da endoutrinação e da reprodução
Resumo: Educar, remete-nos para uma co-presença originária. Educar é inserirmo-nos num
mundo em que o outro é uma presença constante. Os papéis que vão sendo aprendidos e,
muitas vezes, só posteriormente compreendidos, vão ligando os seres a uma realidade muito
mais ampla. Os desígnios desta acção, que é sempre educativa, quer seja formal ou informal,
positiva ou negativa, remetem-nos para os limiares da própria educação. Educo, para quê?
Como? A partir de que modelos? Qual a forma do/de ser que pretendo alcançar? Quem decide
a validade dos modelos? Que mecanismos, que métodos devo utilizar para aumentar a eficácia
da acção e desse modo garantir a assunção da configuração pré-estabelecida?
Assim, quer o resultado esteja de acordo com os interesses da sociedade, quer esteja de
acordo com uma formação assente na autonomia individual, educar é sempre configurar.
Nesta perspectiva, pondo o acento tónico no interesse da sociedade, em que o indivíduo é
educado em função desse interesse mais alto ou pondo-o na centralidade unipessoal, pelo
menos, até a um certo momento, a educação está sempre configurada pelo carácter
endoutrinador/reprodutor.
- Hélèna Theodoropoulou, Université d’EgéeLa Philosophie de l’Education : la « conscience malheureuse », le visage de Janus etles mouvements
Resumo: Le cas de la Philosophie de l’Education est un cas-limite pour la réflexion sur
l’éducation. La question du lien de la Philosophie de l’Education avec la philosophie ou la
pédagogie reste toujours ouverte et significative. Pourrait la Philosophie de l’Education
constituer un champ autonome et une instance authentiquement critique dans l’espace des
Sciences de l’Education? Pourtant, au lieu de parler de fonction ou de rôle pour décrire son
œuvre, on proposera ici le terme de mouvement pour indiquer une discipline qui se meut en
post ponant ad infinitum sa congélation. L’ensemble de ses mouvements, le mouvement
général de ces mouvements, la difficulté de ce mouvement, la réflexion sur ce mouvement
serait aussi encore la Philosophie de l’Education.
- Joana Brandão de Carvalho, Doutoranda da Universidade de Trás-os-Montes e Alto DouroPorque são utópicas as utopias?
Resumo: O que é a natureza humana? A que homem nos referimos quando falamos de
humanidade? Se o homem é a medida de todas as coisas, quem nos dá a medida do que
somos ou do que devemos ser? Quem sou eu, afinal? Onde e quando sou mais eu? Como
conciliar todos os eus que sou com os outros, tão diferentes? Na tentativa de mudar o mundo,
sonhando com uma humanidade mais feliz, é próprio ao homem criar utopias. Mas como
realizar algo que, por definição, é inviável? Por que são utópicas as utopias? Porque teimamos
em postular um Homem Ideal – que não representa tudo o que manifestamente somos, que
não espelha as limitações que temos –, ignorando deliberadamente os Homens Reais – tão
variados nos seus sentimentos, pensamentos e comportamentos. Se, pelo contrário, nos
contentarmos connosco e com o que nos é dado saber de nós, talvez possamos encontrar as
respostas que tanto ambicionamos. Em suma: conhecer o homem é estar em condições de
viabilizar a sua utopia.
- João Boavida e Maria Formosinho, Universidade de CoimbraCrise na educação: da contra-tradição à contradição
Resumo: A modernidade desencadeou um processo cultural que, conceptual e
pragmaticamente se transformou em sinónimo de progresso. Mas este, pressupondo e
implicando uma contínua mudança e renovação, transformou a mudança em valor em si
mesmo e erodiu as bases não só da tradição mas também de um qualquer quadro conceptual
que, não estando sujeito a este processo, possa funcionar como referência de mudança. É
certo que a modernidade, na sua luta pelas luzes e contra a tradição, encontrara bases
ontológicas e axiológicas seguras na razão. De facto, pelo desenvolvimento da ciência e da
tecnologia, a modernidade hipostaziou a razão fomentando assim a autonomia moral. A
valorização da razão e o processo de autonomização moral desenvolveram-se na medida em
que iam destruindo as estruturas intelectuais e morais caracterizadas pela estabilidade e por
enquadramentos transcendentes de várias configurações. Por outro lado, a tradição, sendo,
por natureza, contra a evolução, desvalorizou-se face às exigências da modernidade e do que
progressivamente significou em termos de desenvolvimento tecnológico e de progresso,
encarregando-se este de desqualificar a estabilidade e, por esta, toda a tradição. A anti
tradição tornou-se, assim, condição da evolução e de toda a dinâmica social, cultural e
económica e, simultaneamente, factor de destruição de todos os apoios, porque assenta na
projecção de esquemas a construir e, continuamente, a superar pela própria dinâmica
evolutiva, e como condição da sua sobrevivência. Deste modo, a modernidade trazia o germe
da sua contradição porque nenhum funcionamento se pode esgotar no funcionar, mas, pelo
contrário, refere-se necessariamente a uma estrutura anterior, ou, pelo menos, simultânea,
que impõe e exige, deste modo, um princípio de estabilidade na raiz da própria mudança.
Isto é evidente ainda mais em educação porque qualquer projecto educativo só se ilumina por
referência quer a uma perspectiva passada de mito fundador quer a uma visão futura de
redenção salvadora. A educação, sendo um processo de transformação para melhor,
pressupõe uma referência normativa, um quadro referencial que não pode viver sem
enquadramentos, melhor ainda, não pode ficar sujeito a uma dialéctica gerada pela própria
dinâmica transformacional porque esta, tendo em si os germes do seu próprio
desenvolvimento, é alheia a todas as formas de dever ser que a acção educativa pressupõe.
Sem estas referências “transcendentes”, a educação torna-se impossível. A contra tradição é,
em termos educativos, uma contradição.
- Joaquim Jorge Moreira da Silva, Gabinete de Filosofia da Educação, FLUPA problemática da emancipação no pensamento de Paulo Freire
Resumo: A presente comunicação tem como objectivo central reflectir sobre o conceito de
emancipação, tendo como base o pensamento de Paulo Freire. Sendo este um conceito crucial
do pensamento freiriano, imprescindível para se compreender a sua profunda actualidade,
importa-nos, num primeiro momento, ver o modo como este filósofo responde à tripla
questão: Quem deve emancipar? Quem terá de ser emancipado? Que espécie de emancipação
está aqui em jogo?
Num segundo momento, a nossa atenção incidirá sobre a noção de Educação – e no papel que
lhe é atribuído por Paulo Freire – enquanto agente catalisador da dinâmica emancipadora,
nomeadamente no que concerne a questão da liberdade do sujeito no próprio processo de
libertação.
- Joaquim Machado de Araújo e Alberto Filipe Araújo, Universidade do MinhoUtopia, simbolismo e educação
Resumo: A utopia, como um dos grandes ideais do século XX, carece de uma tematização
inovadora. Deste modo, o conceito de utopia só tem a ganhar se for pensada numa
perspectiva radicalmente outra. Assim, ao encararmos a utopia como uma espécie de não-
limite espacial, pergunta-se qual é então o seu lugar, ou não-lugar, no discurso educativo.
Neste contexto, esta comunicação apresenta duas partes: na primeira, recenseamos imagens
e símbolos mobilizados no texto utópico moriano de forma a apreender-lhe os traços míticos
que se mostram escondidos sob a capa de racionalidade, dando conta de uma linguagem que,
pela sua pregnância, “apalavra” o leitor das utopias literário-filosóficas; na segunda,
identificamos a utopia como não-lugar da educação.
- José Alberto Damas, Escola Secundária Joaquim de Araújo, PenafielOpacidade e transparência no dizer educativo
Resumo: A relação pedagógica e educativa centra-se na relação comunicacional que se
desenvolve entre os sujeitos envolvidos nesse processo: o professor e o aluno. Este processo
de ensinar e de aprender, centrado na comunicação, justifica-se, então, na dinâmica
comunicacional que se desenvolve entre os falantes: um diz, outro ouve, ambos dialogam. É a
fórmula de Francis Jacques: "Eu falo, tu ouves, nós dizemos". Acresce que, nesta dimensão e
porque "somos a voz que temos" (Torga) e "aquele que fala" (Heidegger), a relação
pedagógica encontra a sua razão de ser na permanente busca de sentido que se constrói no
dinâmico linguajar entre os sujeitos falantes. Ora, esta busca de sentido no ensinar e
aprender apenas acontece porque o que o eu diz não é exactamente o que o tu ouve. Porquê?
Porque a linguagem natural, usada no processo comunicacional, não é transparente. Pelo
contrário, é opaca. É equivoca, plurívoca, polissémica. Se fosse transparente o aprender
identificar-se-ia com o ensinar e perderiam o sentido. Assim, dada a sua equivocidade é
necessário buscar continuamente o sentido do que se diz nas suas múltiplas possibilidades. É
evidentemente um exercício hermenêutico. É igualmente um exercício argumentativo.
Aqui deparamo-nos com um confronto inevitável: por um lado, o esforço exigente e necessário
para construir o sentido no ensinar e aprender; por outro, a facilidade aprazível da
transparência da realidade televisiva e da linguagem audiovisual. Compreende-se a facilidade
com que o adolescente (e não só.) adere à superficialidade da imagem televisiva: a realidade
é oferecida, ali, na sua absoluta transparência. Por isso, quem se (in)forma na TV sabe tudo
sobre tudo. Para quê reflectir sobre o opaco, buscando o sentido, se a realidade é oferecida
com toda a clareza na sua simplicidade?!
Daqui até à insolência, no sentido que Meyer lhe dá, é um passinho.Trata-se, por conseguinte,
de uma reflexão sobre a razão de ser da actividade pedagógica com vista à sua dimensão
educativa, enquanto processo destinado a promover o crescimento dos sujeitos envolvidos no
ensinar e no aprender. Em todas as dimensões.
- Luís Manuel Bernardo, Universidade Nova de LisboaPlasticidade e tradução: algumas reflexões sobre a textualidade formativa
Resumo: Os discursos educativos passam por um momento de falência que, em geral, é
atribuída a dificuldades de motivação e/ou a insuficiências dos conteúdos transmitidos.
Todavia, uma tal consideração pressupõe que os problemas da educação são exteriores ao
próprio âmbito de efectuação didáctica e pedagógica, o que acaba por desviar o enfoque do
que verdadeiramente está em causa, a saber, a própria construção de uma textualidade que
cumpra a dupla condição de fazer sentido e de ser transponível para outros planos de
racionalidade. Assim, propomo-nos, mediante uma hermenêutica cruzada das obras de Pierre-
Jean Labarrière e de Jürgen Habermas, ponderar os processos basilares dessa poética, que
configura a trama razoável das diversas narrativas, destacando, em particular, os nexos
elementares de mediação que fazem do discurso formativo um esquema flexível, ainda que
estável, porque fundamentado, de liberdade.
- Pedro Ângelo Pagni, Universidade Estadual Paulista, BrasilNos limiares contemporâneos da educação: interpelar as interpelaçõesepistemológicas e hermenêuticas da filosofia da educação
Resumo: A presente intervenção analisa brevemente as interpelações epistemológicas acerca
dos saberes e das práticas educacionais, bem como os seus deslocamentos éticos e políticos,
enunciados/produzidos por três tendências contemporâneas da filosofia da educação: a
analítica, a hermenêutica e a inspirada na ontologia do presente. Objetiva, com isso, refletir
sobre os limiares contemporâneos da educação no que se refere às suas problemáticas
epistemológicas e hermenêuticas de um ponto de vista filosófico educacional. Compreendendo
esses limiares como decorrentes do processo de deslegitimação dos saberes e das práticas
educacionais ocorridos na contemporaneidade, essa reflexão indica a relevância da análise da
linguagem assumida pelas tendências analítica e hermenêutica da filosofia da educação, ao
abordarem a problemática epistemológica dos saberes e das práticas educacionais. Embora se
distingam em relação às suas concepções de linguagem e de análise, essas tendências
parecem postular uma “analítica da verdade”, quando se interpelam sobre a validade dos
saberes e o sentido das práticas educacionais, a ser desenvolvida em torno do consenso ou do
diálogo estabelecido na comunidade. Assim, elas deixam de problematizar os efeitos de poder
existentes nessa comunidade e de pensar sobre o outro da razão pedagógica em seu processo
de produção. Ao problematizá-los e ao desenvolverem um pensamento acerca do diferente,
por sua vez, a tendência da filosofia da educação inspirada na ontologia do presente indica
que a comunidade, na qual se validam os saberes e se destinam as práticas educacionais, está
envolvida por jogos de linguagem ou de poder. Nesse sentido é mais importante assumir,
antes do que o consenso, o dissenso e a agonística nesse processo de produção de saberes e
de práticas educacionais, assim como nos interrogarmos sobre as dimensões artísticas e
filosóficas das atividades (de pesquisa e de ensino) que os compreendem, ao invés de
tentarmos legitimá-los apenas na ciência ou em metarrelatos. Ao assumirmos essa
perspectiva e ao nos considerarmos simpatizantes dessa última tendência da filosofia da
educação, nesta intervenção, argumentamos pela tese de que, nos limiares contemporâneos
da educação, as interpelações epistemológicas e hermenêuticas sobre os saberes e as práticas
educativas seriam mais produtivas se levassem em conta os deslocamentos éticos e estéticos
que os compreendem, o seu sentido autocompreensivo e uma atitude de resistência política
em relação ao existente. Em última análise, isso significaria nos contrapormos à cientifização
dos saberes e à tecnicização das práticas educativas, recuperando a sua dimensão artística e
filosófica, no presente, como um dos desafios imprescindíveis para a filosofia da educação nos
limiares contemporaneidade.